domingo, 26 de junho de 2016

Eles não querem saber que horas ela volta


Por: Aline Oliveira

Pode ser quando estou de cabeça baixa, e os olhos miram as páginas de um livro qualquer, ou enquanto volto meus sentidos (sonolentos ainda, dependendo do horário) ao que toca no fone de ouvido, tentando abstrair do tempo que preciso estar e sair dali. Transporte. Noto que tem aumentado a quantidade de pessoas que pedem, vendem, entregam bilhetes ou entoam um discurso, sempre baseado na dificuldade de seus dias e de uma ajuda que esperam sem saber se virá.
Nos poucos segundos que estão disponíveis para decidir se iremos ou não pegar moedas da bolsa e ajudar, são muitos os questionamentos que se embaralham, mas que nem sempre trazem resposta. Quando me pego julgando se a pessoa “merece” ou não um trocado, esbarro na minha dificuldade de lidar com a desigualdade, porque ela me dói, e muito. E como é chato fazer esse julgamento, porque sei que ele não cabe a mim, nem em mim. 
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/17/politica/1466184671_749947.html

O fato é que o desemprego tem aumentado a passos largos. Segundo dados recentes do IBGE, já são mais de dez milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. E de acordo com dados da minha percepção, aumentou também nossa capacidade de indiferença, e falta de empatia. Não raro, ouço coisas do tipo Quer terra? Vai trabalhar em vez de atrapalhar o trânsito com protesto, o que eu tenho a ver com isso?; “Oportunidade todo mundo tem, se a pessoa não consegue um emprego (ou um emprego melhor), é porque ela é acomodada”; “Eu, pagar x reais para a diarista? Sai fora, ela que trabalhe mais!” E por aí vai. Difícil.
São realidades que talvez nunca entendam uma à outra. E para quem tem medo de perder seus privilégios, dificilmente haverá espaço para comoção com as ausências na vida de quem não tem essa palavra no dicionário dos dias. Por falar em dias, há poucos li uma notícia que tocou fundo, era sobre uma senhora que já não tem conseguido sobreviver com o dinheiro de suas faxinas. Era mais uma Val, em busca de sobrevivência.
Imagem extraída de https://ilikemoooviesmorethanpeople.wordpress.com/2016/01/12/o-brasil-dentro-da-piscina-de-dona-barbara/
Assisti a Que Horas Ela Volta? em outubro do ano passado, e sua mensagem ainda reverbera muito em mim. Quando subiram os créditos, me perguntei se ali naquela sala de cinema bem localizada, em que boa parte das pessoas estavam mais para Dona Bárbara, haveria um despertar com relação à desigualdade no país. Tomara que sim, embora muita gente ainda não queira saber para onde ela vai, muito menos que horas volta.

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